Pesquisa de autoanticorpos em células HEp-2 (FAN)

Consenso da Sociedade Brasileira de Reumatologia
Introdução Perspectiva histórica da pesquisa de autoanticorpos em HEp-2 no Brasil.
A evolução científico-tecnológica promove mudanças em exames laboratoriais que afetam parâmetros importantes para a interpretação clínica, como os valores preditivos positivo e negativo, a sensibilidade e a especificidade. Um ótimo exemplo desse tipo de situação é o exame para pesquisa de anticorpos antinúcleo (ANA) pela técnica de imunofluorescência indireta (IFI), também conhecido como fator antinúcleo (FAN), hoje denominado “pesquisa de anticorpos contra antígenos celulares” (PAAC) em soro de pacientes com suspeita de doença autoimune. Trata-se de um excelente exame de rastreamento de autoanticorpos que ao longo das últimas décadas foi tecnicamente modificado de forma a conferir sensibilidade progressivamente maior. Como consequência, a pesquisa de anticorpos contra antígenos celulares passou também a apresentar menor especificidade.
O aumento na sensibilidade do teste de PAAC-IFI em HEp-2, entretanto, trouxe também um prejuízo na especificidade, pois alguns indivíduos sem evidência clínica ou laboratorial aparentes de doença autoimune também passaram a apresentar resultados positivos em células HEp-2, exigindo uma interpretação bastante criteriosa dos achados sorológicos.2 A alta frequência de resultados positivos do teste em indivíduos saudáveis ou com manifestações clínicas vagas tem trazido à tona uma situação denominada por alguns de “Síndrome do Anticorpo Antinúcleo Idiopático”. A perda de especificidade do teste agravou-se também pelo fato de que uma vasta gama de especialistas médicos passou a utilizá-lo. Inicialmente, os reumatologistas e nefrologistas eram os grandes usuários desse exame e, em decorrência de sua familiaridade com o mesmo e das características de sua clientela, tinham maior chance de solicitar o exame a quem realmente tivesse quadro autoimune.
Hoje, o PAAC-IFI em HEp-2 é um exame solicitado com menos critério por grande variedade de especialistas, que obviamente atendem uma clientela distinta, na qual o diagnóstico de doença reumática autoimune é menos prevalente. Assim, a chance de resultados positivos em indivíduos saudáveis ou com apresentações clínicas pouco expressivas tornou-se maior. Alguns elementos são importantes para a valorização adequada do teste do PAAC-IFI em HEp-2. Em primeiro lugar, o exame deve ser solicitado apenas quando houver suspeita convincente de doença autoimune. Sua solicitação frente a um paciente com queixas vagas, frequentemente trará mais confusão ao raciocínio clínico, visto que um resultado positivo não implica necessariamente autoimunidade. Um segundo ponto a ser considerado é o título do PAAC-IFI em HEp-2: em geral, os pacientes autoimunes tendem a apresentar títulos moderados (1/160 e 1/320) e elevados (≥ 1/640), enquanto os indivíduos sadios com PAAC-IFI em HEp-2 positivo tendem a apresentar baixos títulos (1/80).
Autoanticorpos contra alguns antígenos têm associação bastante específica com determinadas doenças autoimunes ou ao estado de autoimunidade em si, enquanto outros ocorrem indiscriminadamente em indivíduos autoimunes e não autoimunes. Dessa forma, determinados padrões de fluorescência são mais específicos de doença autoimune enquanto outros ocorrem com frequência em indivíduos sadios ou em pacientes com outras enfermidades não autoimunes. Outro ponto a considerar é que o nível de autoimunidade fisiológica ou basal pode flutuar na dependência de sobrecargas a que o sistema imunológico seja exposto. Tem sido demonstrada a presença de autoanticorpos desencadeada transitoriamente por infecções (principalmente virais), por medicamentos e por neoplasias.
Várias evidências demonstram que os autoanticorpos frequentemente precedem a eclosão clínica das doenças autoimunes. Um teste de PAAC-IFI em HEp-2 positivo pode preceder o aparecimento clínico do LES em até nove anos. Cerca de 80% dos pacientes com LES apresentam PAAC-IFI em HEp-2 positivo antes do aparecimento dos primeiros sintomas. O mesmo é válido, embora em menor porcentagem, para os vários autoanticorpos específicos dessa enfermidade, como anti-DNA nativo e anti-Sm. Portanto, outra possibilidade a se considerar em presença de um achado clinicamente inconsistente de PAAC-IFI em HEp-2 positivo é a de que o paciente poderá vir a desenvolver uma doença autoimune nos próximos anos. No entanto, alguns indivíduos podem seguir décadas com autoanticorpos circulantes sem desenvolver qualquer sinal de enfermidade autoimune.
Associações clínicas e descrição dos padrões
Os membros do Consenso procederam a uma ampla discussão para validação e reavaliação das associações clínicas e imunológicas referentes aos padrões de PAAC-IFI em HEp-2. As recomendações advindas dessa atividade estão listadas na Tabela 1
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